Nascemos para Brilhar

segunda-feira, agosto 12, 2013



O céu profundo com suas estrelas rutilantes sempre exerceu fascínio sobre o espírito humano. Deitados entre o céu estrelado e a fina areia da praia do rio Araguaia, no Brasil Central, estremecemos e nos enchemos de encantamento. Vem-nos instintivamente à memória cósmica reminiscências ancestrais, de quando estávamos todos juntos no coração das grandes estrelas vermelhas. Pois lá se encontra o nosso berço e de sua explosão, há bilhões de anos, é que se formaram todos os tijolinhos que compuseram as galáxias, as estrelas, o sol, a lua, a Terra e cada um de nós. E, porque nascemos das estrelas, existimos para brilhar e irradiar. (Leonardo Boff)



O texto acima faz parte do livro de Leonardo Boff, "O Casamento entre o Céu e a Terra" - Contos dos Povos Indígenas do Brasil - (2001). O livro é destinado ao público infanto juvenil, mas na minha opinião, sua leitura cai muito bem em todas as idades. Dividido em duas partes, o livro é composto, na primeira parte, por 30 contos indígenas e na segunda parte, apresenta as principais contribuições dos indígenas ao Brasil e à globalização. Pelos títulos percebemos que a abordagem é atual e apesar de ter um toque didático, o autor discorre sobre o tema de forma descontraída com uma linguagem leve acompanhada de quadros e ilustrações, mapas e fotografias, fazendo com que a leitura seja atraente e agradável. Recomendadíssimo...
Segundo Boff, "Todos os seres vivos do universo são inter-retro-conectados, formando a comunidade cósmica. Os seres vivos são todos parentes entre si, pois todos - da bactéria originária aos seres humanos - possuem, fundamentalmente, o mesmo código genético. Isso nós o sabemos hoje por causa da ciência. Os povos originários, nossos indígenas, o sabiam muito antes da ciência. Sabiam pela intuição e pelo coração, que os colocam em intima comunhão com tudo o que existe no universo. Eles sempre mantiveram o casamento entre o Céu e a Terra, do qual nascem todas as coisas. Os relatos, mitos e contos reunidos nesse livro procuram resgatar essa sabedoria ancestral e acrescentá-la à nossa sabedoria contemporânea. Esse casamento de sabedorias nos ajudará a salvar a vida e a Terra."
No Brasil vivem cerca de 350 mil índios e, no mundo, cerca de 300 milhões. É errôneo pensar que eles sejam ignorantes e sem cultura. Dentro de seus ambientes, especialmente nas florestas, eles sabem muito mais que a maioria de nós que passamos pela escola. Conhecem cada árvore e para que serve, cada animal, cada pássaro e cada peixe. Sabem interpretar qualquer ruído e, observando as nuvens, sabem exatamente se vai chover ou não. Consideram todos os seres vivos como seus irmãos e irmãs, formando uma grande família. Temos muito que admirar, desfrutar e aprender a partir de toda essa tradição sapiental. Nossos indígenas não são primitivos, apenas diferentes, Não são incultos, mas civilizados. Não são ultrapassados, e sim contemporâneos. São humanos como nós, portadores das mesmas buscas, das mesmas esperanças e ansiedades que os homens e as mulheres de nosso tempo e de todos os tempos. Apenas se expressam num dialeto diferente, quem sabe estranho para muitos de nós, mas sempre surpreendente e perpassado de observação atenta das coisas da vida e da Natureza.
Leonardo Boff convida para que "revisitemos a sabedoria indígena e sonhemos, por um momento, os mesmos sonhos que eles sonharam. Vamos rir, chorar e aprender. Aprender especialmente a casar Céu e Terra, vale dizer, como combinar o cotidiano com o surpreendente, a imanência opaca dos dias com a transcendência radiosa do espírito, a vida na plena liberdade com a morte simbolizada como um unir-se com os ancestrais, a felicidade discreta nesse mundo com a grande promessa de eternidade. E, ao final, teremos descoberto mil razões para viver mais e melhor, todos juntos, como uma grande família, na mesma Aldeia Comum, generosa e bela, o Planeta Terra."

Selecionei,  um conto do livro para dar uma "pitadinha" sobre as estórias delicadas que falam do amor, do fogo, da Terra, do Céu, das estrelas, dentre outros temas que encantam, pois tangem nossa essência humana... Boa leitura:

Nascemos para brilhar: Tainá



Iameru, bela jovem Karajá, era cheia de graça e de magia, embora insegura em seus sentimentos. À tardinha, à margem do Araguaia, gostava de contemplar Tainá-Can, a estrela d'alva, que bruxuleava, por primeira, no firmamento. Estranhamente, tomou-se de paixão por ela.
Não agüentando mais a dor de amor, dirigiu-se ao pajé para que invocasse ardentemente os espíritos da tribo para que fizessem descer a estrela Tainá em forma humana. Prometeu até casar-se prontamente com Tainá-Can, caso fosse atendia e sua súplica.


Com o efeito, no dia seguinte, numa noite de luar, um raio iluminou um canto da praia. Tainá-Can descera à Terra. E veio, calmamente caminhando na direção de Iameru. Sua aparência era de um velho encurvado, cansado de dias e de anos e cheio de rugas.
Iameru, ao vê-lo, encheu-se de decepção e de espanto. _ Como pode uma estrela tão brilhante aparecer numa forma tão miserável? Imediatamente repudiou e lhe disse, gritando: _ Velho feio e enrugado, vá embora. Como pretende me tocar, se sou ainda tão jovem e bela? Erguendo ainda mais a voz, disse irritada: _ Suma daqui e não me apareça mais!


Tainá-Can, estrela rutilante do céu, assumira a forma de um velho repugnante para testar o amor de Iameru e colocar à prova sua ardente paixão. Decepcionou-se com o fogo de palha do sentimento da jovem Karajá e se entristeceu com os maus tratos. Seus olhos se encheram de lágrimas. Estava pensando em regressar ao céu, quando lhe veio em socorro a irmã de Iameru, a jovem Denaquê que, de longe, tudo acompanhara. Não era bela de rosto nem de forma, mas possuía qualidades que faltavam à fútil Iameru: bondade, amorosidade, gentileza, compaixão e especial capacidade de cuidado. Aproximou-se do velhinho Tainá-Can, enxugou-lhe as lágrimas e pediu-lhe desculpas pela rudeza da irmã. E lhe disse: Se não se importar, vou cuidar do senhor e, se gostar de mim posso até ser sua esposa.

O rosto de Tainá-Can se transfigurou. E, agradecido, beijou suavemente a testa de Denaquê. E lhe disse, com voz decidida: _ Vou ser um bom marido para você. Agora mesmo vou cultivar a terra, para que nada lhe falte e tenha sempre muita comida em seu jirau. Denaquê  não entendeu a palavra "cultivar", pois até aquela época os Karajás somente comiam peixes e caça. Não cultivavam a mandioca, o milho e o ananás, atualmente suas principais fontes de alimento.
Denaquê nem teve tempo de pedir explicações, pois o bom velhinho, exultante de alegria, foi à roça fazer o cultivo do milho, da mandioca, do ananás e de tantas coisas boas para os Karajás. Todos na tribo se perguntavam quem seria aquele velhinho todo enrugado. Mas respeitavam o amor de Denaquê e admiravam sua assiduidade no trabalho.


Certo dia, Tainá-Can não regressou na hora costumeira. Denaquê, como mulher amorosa, teve um pressentimento: _ Alguma coisa deve ter acontecido ao bom velhinho. Vou procurá-lo na roça. E ao chegar, encheu-se de estupor. Viu um jovem guerreiro, todo iluminado, com o corpo pintado dos mais belos desenhos. Reconheceu ser Tainá-Can, revestido do esplendor da estrela d'alva. Seu estupor aumentou ainda mais ao ver aos pés do guerreiro plantas desconhecidas. _ É milho e mandioca para alimentar você e todos de sua tribo _ disse Tainá-Can, fazendo um gesto largo com as mãos. E se abraçaram amorosa e longamente. Contentes, voltaram abraçados para a maloca. A notícia se difundiu por toda a floresta e todos participaram daquela nova felicidade.


Iameru, ao ver Tainá-Can tão belo e a irmã tão feliz, se encheu de ressentimento e de inveja. Recriminava-se a si mesma por não ter sabido ver, por detrás dor traços rudes do velhinho, o esplendor da estrela d'alva de Tainá-Can, de quem outrora se havia enamorado ardentemente. Desesperada, desapareceu na floresta. Soube-se depois que Tupã a havia transformado no pássaro urutau. Até hoje, em noites de luar, quando a estrela d'alva, Tainá-Can, mais brilha, emite sons estridentes e tristes, lamentando haver perdido um amor tão cobiçado.


Depois de ter vivido feliz com Denaquê muito e muitos anos e ter ensinado aos Karajás a cultivar o milho, a mandioca e tantas coisas saborosas, Tainá-Can voltou ao céu para continuar a brilhar eternamente. E levou consigo a sua amada Denaquê. Por isso, como companheira inseparável, brilha no céu, sempre junto da estrela d'alva, uma estrela singela e de brilho esmaecido. É a Denaquê, a adorável esposa de Tainá-Can.


Fonte: "O casamento entre o Céu e a Terra"- contos dos Povos Indígenas do Brasil - Leonardo Boff - Imagens Web

Além dos sentimentos altruístas, comumente esquecidos pelos seres humanos, o que eu mais gosto nesse conto é a forma como o amor se relaciona à vida nas formas de pensar valores além das aparências, e principalmente, sobre o amor jamais ser objeto, e sim a busca!

Abraços,
Sejamos Felizes!

Imagens: Web/google.


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